A “lava jato” enfrenta um novo e talvez decisivo revés após a recente decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular todos os atos da operação contra o doleiro Alberto Youssef. Para especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a medida tem o potencial de provocar um "efeito cascata" e influenciar diretamente a validade de outros processos da outrora gigantesca investigação.
Em resposta à decisão, o ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, utilizou suas redes sociais para criticar duramente. "O Brasil vive uma completa inversão de valores! Alberto Youssef é o novo beneficiado pela “Justiça” com a anulação de suas condenações na Lava Jato. E isso mesmo tendo confessado o pagamento de suborno e lavagem de dinheiro. Já pode se intitular o segundo homem mais honesto do país depois do Lula!", escreveu Moro.
Embora o impacto não seja automático e exija análise caso a caso, advogados ressaltam que a decisão de Toffoli possui uma repercussão mais ampla do que outras anulações já determinadas pelo STF na "lava jato", justamente porque o caso de Youssef está na raiz das investigações.
A partir dessa decisão, réus podem ser beneficiados de duas formas: diretamente, argumentando que foram atingidos pela operação da mesma maneira que Youssef, ou indiretamente, demonstrando que a investigação anulada contra o doleiro serviu de base para decisões ou sentenças em seus próprios processos. A colaboração premiada de Youssef, vale ressaltar, não foi anulada, mas as defesas podem questionar qualquer medida que tenha usado elementos de prova colhidos com o doleiro.
"A depender das circunstâncias, a invalidação dos atos contra Youssef pode impactar outros casos derivados dele. Situações como a participação do mesmo agente nos fatos apurados, a utilização das mesmas provas, mesmo modus operandi, tudo isso são elementos que permitem essa extensão dos efeitos”, avalia o advogado Georges Abboud, sócio do Warde Advogados.
Tese de Conluio e a “Árvore Envenenada”
A decisão de Toffoli, embora específica para Youssef, contém elementos que atingem o cerne da "lava jato": o "incontestável quadro de conluio processual” entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores do Ministério Público Federal no Paraná.
Segundo o ministro, esse conluio foi comprovado por meio das mensagens apreendidas na “spoofing” da Polícia Federal (o caso “vaza jato”). As mensagens indicam, por exemplo, que Moro e a acusação teriam agido em conjunto para acobertar a existência de uma escuta ilegal na cela de Youssef na primeira fase da operação, demonstrando que a atuação dos investigadores estava contaminada desde os primeiros desdobramentos.
A argumentação do conluio já havia sido usada pelo STF para anular todos os atos contra o empreiteiro Marcelo Odebrecht e o ex-ministro Antonio Palocci, o que reforça o provável efeito cascata da decisão atual. "É necessário que as defesas dos corréus ou terceiros, que vieram a ser atingidos pelos mesmos atos ora anulados, busquem o reconhecimento de nulidade em relação aos seus representados”, avalia a criminalista Beatriz Alaia Colin, do Wilton Gomes Advogados.
Para o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, a presença de Youssef nos primórdios da operação coloca em xeque tudo o que foi apurado posteriormente. “A meu ver, a teoria dos frutos da árvore envenenada, quer dizer, as repercussões de nulidade, devem chegar à operação como um todo, porque a operação se iniciou no Youssef, ali é a origem”, avalia Serrano. Ele conclui que toda a investigação, por conta dos fundamentos da própria decisão que comprovou o conluio entre acusação e juiz, deveria ser considerada nula.
Suspeição de Moro
Toffoli acatou um pedido da defesa de Youssef e reconheceu a suspeição de Moro para julgá-lo. A defesa do doleiro alegou que Moro havia se declarado suspeito para julgá-lo em 2010, no “caso Banestado”, e ignorou essa suspeição ao assumir a “lava jato” quatro anos depois. O reconhecimento da suspeição de um magistrado se aplica de forma individual em relação ao réu, como ocorreu quando o Supremo declarou Moro suspeito para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), anulando os atos nas ações penais contra o petista.
“A suspeição incide sobre característica individual, subjetiva, de determinado investigado ou réu. Ou seja, os casos precisarão ser analisados sob uma ótica individual. Isso não significa que não poderá haver um efeito cascata, mas será preciso que cada defesa demonstre este vínculo em seus processos”, aponta Thiago Turbay, especialista em direito probatório e sócio do Boaventura Turbay Advogados.