A atuação firme do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), por meio da 4ª Promotoria de Justiça de Tubarão, culminou na condenação de dois homens acusados de praticar tortura, sequestro e cárcere privado em comunidades terapêuticas localizadas em Tubarão e Pedras Grandes. A sentença, proferida na última sexta-feira (2/5), expôs um esquema de violência e privação de liberdade que perdurou por anos.
As investigações do MPSC revelaram que, entre 2011 e 2016, internos das duas unidades da comunidade terapêutica foram vítimas de práticas chocantes. Pacientes eram retirados à força de suas residências, dopados com medicamentos não prescritos para mantê-los subjugados e submetidos a agressões físicas e psicológicas constantes, além de serem mantidos em cárcere privado, contrariando qualquer protocolo legal ou terapêutico.
A Justiça responsabilizou os dois principais envolvidos: o coordenador da comunidade terapêutica foi condenado a 6 anos de reclusão, com início em regime semiaberto, enquanto o proprietário do local recebeu uma pena de 12 anos de prisão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado. Ambos foram considerados culpados pelos crimes de tortura, sequestro e cárcere privado qualificado por violência, em uma decisão que reafirma a ilegalidade de tratamentos para dependência química baseados na coerção e na violência. O Promotor de Justiça Rodrigo Silveira de Souza, que conduziu a atuação do MPSC no caso, enfatizou que "nenhuma forma de tratamento para dependência química pode ser feita à margem da lei ou baseada na violência. A internação contra a vontade do paciente, sem respaldo legal, é crime e configura grave violação de direitos".
Apesar das graves denúncias e da condenação, o local continua em funcionamento, sendo alvo de fiscalizações regulares por parte do MPSC para evitar a retomada de práticas ilegais. Em abril, a 4ª Promotoria de Justiça de Tubarão emitiu uma recomendação, prontamente acatada pela comunidade, que impõe uma série de adequações, incluindo a proibição de receber internos involuntariamente, o respeito ao limite de ocupação, a implementação de medidas de segurança e a vedação de qualquer forma de castigo físico, psíquico ou moral. Adicionalmente, uma sentença anterior, já transitada em julgado e favorável ao MPSC, proíbe a comunidade de realizar internações involuntárias, permitindo apenas o acolhimento de pacientes que buscam tratamento de forma voluntária.
O modus operandi dos crimes, detalhado na denúncia do MPSC e comprovado durante a investigação, envolvia um processo de "resgate" no qual funcionários da clínica, mediante autorização familiar, retiravam os pacientes à força de suas casas, contra a sua vontade. Durante o transporte até a unidade, as vítimas eram frequentemente submetidas a intenso sofrimento físico e mental, incluindo agressões verbais, socos, chutes, choques elétricos e o uso de algemas, práticas totalmente ilegais e sem qualquer amparo legal ou judicial.
Ao chegarem à instituição, os internos eram forçados a ingerir uma combinação de medicamentos conhecida como "batiguti", sem qualquer avaliação ou prescrição médica. Dopados, eram confinados em um cômodo apelidado de "Toca", onde permaneciam isolados por dias, sofrendo agressões físicas e psicológicas, sendo medicados à força e obrigados a fazer suas necessidades fisiológicas em baldes. A saída da "Toca" era condicionada à autorização arbitrária do proprietário ou dos coordenadores. Mesmo após serem liberados para conviver com os demais internos e participar das atividades da comunidade, a "Toca" continuava a ser utilizada como forma de punição para aqueles que desobedeciam às regras impostas.
Durante todo o período de internação involuntária, os pacientes eram mantidos em cárcere privado, com sua liberdade pessoal cerceada pelos responsáveis pela unidade. A sentença condenatória se baseou nos relatos de ao menos duas vítimas, que descreveram em detalhes o sequestro e os tratamentos cruéis aos quais foram submetidas, corroborados pelas provas colhidas ao longo da investigação, que desvendaram a sistemática de violações perpetradas na instituição. A Justiça concedeu aos réus o direito de recorrer da decisão em liberdade.