
Em Guabiruba, no Vale do Itajaí, uma cidade de cerca de 24,5 mil habitantes, o Natal ganha contornos pouco convencionais. No lugar do Papai Noel de roupas vermelhas e saco de presentes, figuras misteriosas emergem da mata cobertas por folhas, trapos escuros, máscaras assustadoras, chifres, correntes e sinos. São os Pelznickels, personagens centrais de uma tradição trazida por imigrantes germânicos e reconhecida como Patrimônio Histórico Cultural Imaterial do município.
Um dos responsáveis por manter viva a prática é Clamir Guilherme Böll, de 23 anos. Mecânico durante o ano, ele assume em dezembro a identidade do chamado “papai noel do mato”. A relação com o Pelznickel começou cedo: aos sete anos, ainda criança, improvisou sua primeira fantasia. Em 2015, aos 13, ingressou oficialmente na Sociedade do Pelznickel, convidado por um primo — mesmo carregando o medo provocado pela aparência intimidadora do personagem.
Com o passar dos anos, a tradição ultrapassou os limites familiares e passou a reunir amigos, parentes e vizinhos. “Apesar de a família não ser tão próxima no dia a dia, nessa época todos se juntavam para ver o Pelznickel. A casa ficava cheia”, relata Clamir, que hoje envolve também a família da namorada nas apresentações.
As fantasias carregam história e peso. Se antes eram feitas com galhos, latas e materiais improvisados, hoje Clamir utiliza barba-de-velho, planta típica da região. São cerca de oito sacos do material, o que faz a roupa chegar a até 14 quilos. O esforço físico é grande: o pescoço fica rígido após horas de uso, exigindo hidratação e descanso.
Apesar da aparência assustadora, o objetivo é outro. Clamir explica que prefere observar à distância e se aproximar com cuidado, especialmente de idosos, pessoas com deficiência ou em situação de vulnerabilidade, sempre para transmitir uma mensagem de carinho. “Quero levar o Natal para quem não está tendo um Natal tão bom. Não tem sensação melhor do que ver o brilho nos olhos das pessoas”, afirma.
A origem do nome também remete ao caráter simbólico do personagem. “Pelz”, em alemão, significa pelagem ou pelo; “Nickel” é diminutivo de Nicolau. Em outra interpretação, “Pelzen” significa bater, fazendo referência ao lado disciplinador. Historicamente, o Pelznickel era visto como o oposto de São Nicolau: enquanto um recompensava as crianças comportadas, o outro assustava as desobedientes para fazê-las refletir.
Hoje, porém, o sentido mudou. Segundo a Sociedade do Pelznickel, não há hierarquia entre os personagens nem diferença entre “Pelznickel” e “papai noel do mato”. Correntes, sinos e chifres permanecem apenas como símbolos. “Antigamente eram usados para assustar de verdade. Hoje, representam apenas o caráter disciplinador da tradição, sem qualquer intenção de castigo”, explica o vice-presidente da entidade, Jocimar Fischer.
