Coluna escrita pelo Historiador David Goulart
Um novo sábado (04) e uma nova coluna no nosso espaço destinado a história. Como tem passado, caro leitor? Espero que bem. Recentemente, ao ver uma série em uma plataforma de streaming, que logo comentarei sobre, me veio uma provocação: será que eu sou muito diferente das pessoas do passado? Muitas vezes você já deve ter tido o seguinte pensamento: como as pessoas do século passado se deixaram convencer por discursos totalitários e fascistas? Eram, as pessoas de gerações anteriores, tão odiosas ao ponto de formarem uma massa e um partido?
Um detalhe que muitas vezes passa desapercebido por nós, enquanto cidadãos, é que essas mesmas pessoas que hoje chamamos de fascistas e nazistas eram pessoas comuns, com um trabalho rotineiro, compromissos familiares etc. Ou seja, será que nós também não nos convenceríamos diante de um discurso acalorado e bem apresentado? Nesse ponto, cito o exemplo do episódio 17 da segunda temporada da série The Office, uma sitcom que conta a rotina de uma empresa que vende papel nos Estados Unidos. Em dado momento, o personagem Dwight é nomeado como o maior vendedor da empresa do distrito e é convidado para fazer um discurso. Dwight, simplesmente, lê um discurso de Benito Mussolini, o líder da Itália fascista, e é aplaudido pelo público. Como que isso é possível?
Um ponto crucial que podemos mencionar do discurso é que ele não possui elementos específicos da Itália daquele período. Ou seja, é uma fala um tanto genérica. Frases do tipo "vocês devem se orgulhar pelo que são" ou "cada época teve seus heróis, hoje vocês são esses heróis!". Ou seja, podem se referir a qualquer povo, etnia ou grupo. Ainda assim, há características importantes que ressaltam o caráter fascista da fala de Dwight. Por exemplo, há um apelo à tradição, a quebra do status quo, a defesa de uma classe humilhada - no caso do discurso, os vendedores de papel - e assim por diante. Ou seja, trabalha com a questão da insatisfação pessoal e coletiva e propõe uma ação, uma solução imediatista.
Sabe o que eu acho interessante, também, nesse episódio? O fato do humor ser utilizado como crítica - você achando engraçado ou não - de forma correta. Aponta qual seria o humor correto ou não é um assunto bem delicado (é outros quinhentos, como diria o dito). Me refiro, aqui, a tentativa de responder a seguinte questão: como falar de fascismo em uma série de humor sem soar apologético? Se fizermos uma piada envolvendo o Holocausto no nosso cotidiano, tenho certeza que a primeira reação das pessoas será o desconforto. Agora, da forma como fez a série The Office, bem, faz-nos pensar: você iria aplaudir o discurso de Dwight?